terça-feira, 29 de julho de 2014

A religião como sistema cultural

Geertz afirma que sua análise da religião se restringirá a dimensão cultural desta. Ele afirma entender a existência múltipla do termo cultura, mas que o utiliza no sentido de “um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida”.
A partir desses pressupostos Geertz, nos apresenta um paradigma sobre a religião. Estabelecendo dois conceitos fundamentais para a teoria de Geertz – Ethos e visão de mundo -, este paradigma diz que os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo e sua visão de mundo mais ampla sobre a ordenação das coisas. Os símbolos religiosos estabelecem uma harmonia fundamental entre um estilo de vida particular (ethos) e uma metafísica especifica (visão de mundo). A religião ajusta as ações humanas a uma ordem cósmica e projeta imagens desta ordem cósmica no plano da experiência humana, o que ocorre no cotidiano de cada povo.
Geertz reduz este paradigma a uma definição, e, a partir daí, passa a dissecá-la. Segundo tal definição uma religião consiste em:
um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GERRTZ, 2008, p. 67).
O sentido de símbolo aqui utilizado é o de “objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação que serve como veículo a uma concepção – a concepção é o “significado do símbolo” (GEERTZ, 2008. p. 67). O estudo de uma atividade na qual o simbolismo forma o conteúdo positivo, uma atividade cultural, é a realização de uma análise social. Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros. Contudo, nos mostra Geertz, por mais que o social, o cultural e o psicológico estejam imbricados na vida cotidiana, é útil separá-los a nível de análise.
Os sistemas ou complexos de símbolos são chamados de padrões culturais e representam fontes extrínsecas de informação. Eles fornecem programas para os processos social e psicológico que modelam o comportamento público. As fontes extrínsecas, ou seja, os padrões culturais, tornam-se vitais, pois o comportamento humano é instavelmente estabelecido pelas fontes de informação intrínsecas (genes e fisiologia). Também é possível afirmar que os padrões culturais são modelos. Contudo, no caso dos padrões culturais o termo modelo assume duas dimensões: modelo “da” realidade e modelo “para” a realidade. Os modelos “para” funcionam para estabelecer informações para padrões de comportamento. Já os modelos “de” são a representação de modo simbólico destes padrões de comportamento, algo que, segundo o autor, provavelmente só acontece entre os humanos. Os modelos “de” são concepções gerais e os modelos “para” são disposições mentais. É esse duplo aspecto que separa os símbolos de outras espécies de formas significativas. O esquema abaixo representa os principais conceitos do autor discutidos até agora.
A intetransponibilidade dos “modelos de” e dos “modelos para” é bastante visível quanto aos símbolos religiosos. Os símbolos concretos envolvidos apontam para ambas as direções, expressam o clima do mundo e o modelam. O modelam induzindo o crente a certo conjunto distinto de disposições, ou seja, a que exista uma probabilidade e uma determinada atividade seja exercida. Quanto a atividades religiosas duas são as espécies de disposição: ânimo e motivação. A motivação é uma inclinação crônica para executar certos tipos de atos e experimentar certas espécies de sentimentos em determinadas situações, ou seja, motivações são duradouras e significativas quanto a seu fim. Já os ânimos são significativos quanto a seu surgimento, são intensos enquanto duram, mas possuem menor duração que as motivações, surgem e desaparecem com facilidade.
Os mesmos símbolos definem as disposições que estabelecemos como religiosas e colocam estas disposições em um arcabouço cósmico. A religião, além de induzir motivações e disposições, formula idéias gerais de ordem, caso contrário, segundo Geertz, ela seria apenas um conjunto de normas morais. Nesse sentido, a religião, tem sempre a necessidade de explicar a ordem geral das coisas, independente de como esta explicação se desenvolva.
Geertz aponta a dependência do homem aos símbolos e sistemas simbólicos. Eles parecem ser decisivos para que o próprio ser humano seja viável enquanto criatura, havendo quase nenhuma transigência a sugestão que a capacidade de criar, apreender e utilizar símbolos pode falhar. Se isto acontecesse, nos diz o autor, seria o caos – um túmulo de acontecimentos ao qual faltam interpretações e interpretabilidade. Três são os pontos no qual o caos ameaça o homem: 1. nos limites de sua capacidade analítica – a maioria dos homens não conseguem deixar sem esclarecimento problemas de analise não esclarecido, uma inquietação profunda ocorre quando há o fracasso do aparato explanatório; 2. nos limites de seu poder de suportar – a religião oferece a capacidade de compreender o mundo e definir as emoções, permitindo suportá-las, não saber como interpretar as emoções causa um sofrimento ainda mais profundo; 3. nos limites de sua introspecção moral – quando algo dificulta a possibilidade de fazer julgamentos morais ditos corretos, de utilizar o sistema simbólico que nos oferece o aparato ético e moral. Em resumo, a difícil compreensão de certos acontecimentos leva a dúvida, que se torna bastante inconfortável, quanto à existência de uma ordem de mundo verdadeira. Contudo a religião elabora, em contraponto a toda esta dúvida, uma ordem genuína do mundo que dará conta das eventuais ambiguidades. Nesse sentido, a religião pode ser entendida como uma forma de conhecimento do mundo.
O problema do significado (o fato de existirem a perplexidade, a dor e o paradoxo moral) é uma dos principais impulsionadores da crença religiosa. O axioma básico da perspectiva religiosa é que “aquele que tiver de saber precisa primeiro acreditar” (GEERTZ, 2008, p.81). Uma perspectiva religiosa é um modo de ver, um entre outros modos. Esta perspectiva difere da do senso-comum, da ciência e da estética. Ela repousa em uma aura “verdadeiramente real”, a qual suas atividades simbólicas se devotam a produzir.
Os rituais mais elaborados e mais públicos são os que costumam definir a consciência espiritual de um povo. O ritual é o mecanismo que faz com que todo esse sistema simbólico religioso, adquira autoridade sobre os indivíduos, pois é nesse momento que se efetiva a fusão entre a visão do mundo e o ethos e a intransponibilidade entre o modelo “de” e o modelo “para”. Eles reúnem tanto uma gama de disposições e motivações como concepções metafísicas. Geertz propõe o termo, utilizado por Singer, “realizações culturais” para nomear essas cerimônias.
Ninguém vive a todo tempo no mundo formado pelos símbolos religiosos, mas no mundo cotidiano dos objetos do senso-comum. Geertz aponta que as pessoas podem viver sem percepção artística, científica ou religiosa, mas não sem um entendimento do senso-comum. Assim, o impacto mais importante dos rituais está fora dos limites da duração do seu acontecimento, está na influência que exerce na concepção individual de mundo usada cotidianamente. Para o autor o movimento entre a religião e o senso-comum é bastante recorrente empiricamente e precisa ser melhor observado pelos pesquisadores.
Geertz aponta uma dificuldade encontrada entre os antropólogos da religião, a de conseguir uma síntese do que observa em campo sem recai nas opiniões extremas encontradas entre indivíduos do grupo estudado.
Um dos maiores problemas metodológico ao escrever cientificamente sobre religião é deixar de lado, ao mesmo tempo, o tom do ateu da aldeia e o do pregador da mesma aldeia, bem como seus equivalentes mais sofisticados, de forma que as implicações social e psicológica de crenças religiosas particulares possam emergir a uma luz clara e neutra. (GEERTZ, 2008, p.89)
Para um antropólogo a importância da Religião esta na sua capacidade de servir como “modelo de” e “modelo para”. Os conceitos religiosos servem aos fieis um arcabouço de idéias gerais, não apenas a questões metafísicas, mas a grande parte da existência humana. Assim, a partir do entendimento do papel da religião no social e no psicológico é possível alcançar a compreensão de como o “verdadeiramente real” e as disposições se colocam na vida cotidiana dos fieis.
Pata Geertz, o estudo antropológico da religião deve ser realizado em dois estágios: 1. análise do sistema de significados incorporado nos símbolos que formam a religião propriamente dita; 2. análise do relacionamento desses sistemas aos processos sócio-estruturais e psicológicos. O autor critica que os estudos dos antropólogos contemporâneos negligenciam este segundo estagio e dão mais ênfase ao primeiro.
Geertz propõe neste texto uma série de questões sobre o fazer da antropologia da religião contemporânea. Estes pontos podem nos levar a um interessante debate sobre nossas experiências teóricas e empíricas. Tomando os questionamentos suscitados por ele podemos refletir até onde estamos presos aos clássicos, e não existe uma produção que amplie a percepção teórica a partir deles, como o próprio Geertz propõe? Estamos mesmo fugindo das questões mais obscuras, e mais interessantes, que suscitam os estudos sobre a religião, as relegando a outras disciplinas? Os antropólogos contemporâneos têm de fato deixado de analisar os significados dos símbolos que formam a religião?
Referência
GEERTZ, Clifford. A Religião como Sistema Cultural. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 2008.
Fonte: http://antropologiadareligiaoufpe.wordpress.com/2012/04/07/162/

terça-feira, 22 de julho de 2014

Religiões e sistema cultural

Há algum tempo tenho me questionado sobre a importância das religiões na vida de cada pessoa. Não se trata apenas de fé, ou simplesmente de instituições sociais com normas de conduta morais e de comportamento. Existe também a ideia das divindades.
Isso me soa estranho desde que me entendo como pessoa. Não conseguia conceber como abstrair uma personificação dando origem a tudo o que existe, e mais. Inclusive a si mesmo. Como poderia ser?

Com o passar do tempo notei que isso é bastante natural para muitas pessoas, mesmo que a diversidade de religiões e divindades seja bastante grande.

O que faz com que pessoas criem divindades? Por que elas diferem tanto entre si? Como as crenças, costumes, tradições e hábitos de um determinado grupo molda a cultura em que estão inseridos? Como os grupos de poder se utilizam da religião para manutenção da ordem vigente? O oposto é possível?

São muitas questões.

É esperado buscar explicações para eventos naturais quando sua sobrevivência depende deles; nós buscamos agir sobre o mundo e ter algum controle sobre ele: foi assim que me ensinaram ter surgido as divindades, mas não sei se concordo com isso.
Geertz diz que a sociedade, a cultura, e o próprio ser-humano, surgem concomitantemente, sendo parcelas de um mesmo processo, já que o que nos define como seres humanos é também a própria cultura e organização social. Essas divindades então refletiriam o que cada sociedade valoriza e considera importante, e o contrário também, e como e por quê.

O vikings, por exemplo, eram guerreiros. Apenas os guerreiros mortos em batalha teriam acesso, depois da morte, a Valhala, o que era uma honra incrível.
Para os católicos apostólicos romanos, quem leva uma vida comedida, sem excessos e através da busca da expiação dos pecados, sejam quais forem as formas de conseguir isso, teria acesso ao "reino dos céus", partindo do pressuposto de que todos são pecadores. Principalmente as mulheres.

Seria a religião exclusivamente uma forma de expressão do poder e manutenção de determinada ordem?

Cada religião expressa os mesmos anseios que qualquer outra, através de suas crenças e rituais?

Como a religião faz-se a identidade de um grupo?
Como as crenças compõe a identidade de alguém? Por que algumas pessoas sentem tanta necessidade de se identificar com uma religião, e se sentem tão confortáveis com suas crenças e outras são absolutamente avessas a isso?

Para ilustrar e divertir, mais divertir do que ilustrar, deixo um vídeo abaixo: A Saga de Biorn



https://www.youtube.com/watch?v=KN9RHqF-KDQ

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Apresentação

Este blog é dedicado a disciplina "Identidade e Cultura" ministrada pela professora Andrea.

Sou aluna do Bacharelado em Ciências e Humanidades (BCH) na UFABC, universidade que ingressei em 2013.

Quando nos foi exposto que o blog deveria ser dedicado a um tema relativo a identidade e cultura não me veio nada em mente, e depois me surgiram temas mas nenhum havia me interessado muito ainda, e baseada num deles iniciei o blog anterior.

Mas durante uma aula foi citado Marcuse, "o homem unidimensional", e eu fui pesquisar sobre isso.

Não havia este livro na biblioteca, mas havia outros, e resolvi selecionar um deles: progresso social e liberdade.

Separei também um livro do Geerts, "A interpretação das culturas", e o texto que mais me interessa é "a religião como sistema cultural", mas ainda não comecei a lê-lo.

Não sei se é possível travar paralelos entre os dois textos, e algum outro que eu conheça. 
Mas sei que a ideia de progresso esta bastante relacionada com a cultura ocidental, assim como o cristianismo. 

Não tenho a pretensão de definir agora qual será meu tema, sei apenas que vou usar como base estes dois textos e meus próximos posts serão sobre eles.