Geertz afirma que sua análise da religião se restringirá a dimensão cultural desta. Ele afirma entender a existência múltipla do termo cultura, mas que o utiliza no sentido de “um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida”.
A partir desses pressupostos Geertz, nos apresenta um paradigma sobre a religião. Estabelecendo dois conceitos fundamentais para a teoria de Geertz – Ethos e visão de mundo -, este paradigma diz que os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo e sua visão de mundo mais ampla sobre a ordenação das coisas. Os símbolos religiosos estabelecem uma harmonia fundamental entre um estilo de vida particular (ethos) e uma metafísica especifica (visão de mundo). A religião ajusta as ações humanas a uma ordem cósmica e projeta imagens desta ordem cósmica no plano da experiência humana, o que ocorre no cotidiano de cada povo.
Geertz reduz este paradigma a uma definição, e, a partir daí, passa a dissecá-la. Segundo tal definição uma religião consiste em:
um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GERRTZ, 2008, p. 67).
O sentido de símbolo aqui utilizado é o de “objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação que serve como veículo a uma concepção – a concepção é o “significado do símbolo” (GEERTZ, 2008. p. 67). O estudo de uma atividade na qual o simbolismo forma o conteúdo positivo, uma atividade cultural, é a realização de uma análise social. Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros. Contudo, nos mostra Geertz, por mais que o social, o cultural e o psicológico estejam imbricados na vida cotidiana, é útil separá-los a nível de análise.
Os sistemas ou complexos de símbolos são chamados de padrões culturais e representam fontes extrínsecas de informação. Eles fornecem programas para os processos social e psicológico que modelam o comportamento público. As fontes extrínsecas, ou seja, os padrões culturais, tornam-se vitais, pois o comportamento humano é instavelmente estabelecido pelas fontes de informação intrínsecas (genes e fisiologia). Também é possível afirmar que os padrões culturais são modelos. Contudo, no caso dos padrões culturais o termo modelo assume duas dimensões: modelo “da” realidade e modelo “para” a realidade. Os modelos “para” funcionam para estabelecer informações para padrões de comportamento. Já os modelos “de” são a representação de modo simbólico destes padrões de comportamento, algo que, segundo o autor, provavelmente só acontece entre os humanos. Os modelos “de” são concepções gerais e os modelos “para” são disposições mentais. É esse duplo aspecto que separa os símbolos de outras espécies de formas significativas. O esquema abaixo representa os principais conceitos do autor discutidos até agora.
A intetransponibilidade dos “modelos de” e dos “modelos para” é bastante visível quanto aos símbolos religiosos. Os símbolos concretos envolvidos apontam para ambas as direções, expressam o clima do mundo e o modelam. O modelam induzindo o crente a certo conjunto distinto de disposições, ou seja, a que exista uma probabilidade e uma determinada atividade seja exercida. Quanto a atividades religiosas duas são as espécies de disposição: ânimo e motivação. A motivação é uma inclinação crônica para executar certos tipos de atos e experimentar certas espécies de sentimentos em determinadas situações, ou seja, motivações são duradouras e significativas quanto a seu fim. Já os ânimos são significativos quanto a seu surgimento, são intensos enquanto duram, mas possuem menor duração que as motivações, surgem e desaparecem com facilidade.
Os mesmos símbolos definem as disposições que estabelecemos como religiosas e colocam estas disposições em um arcabouço cósmico. A religião, além de induzir motivações e disposições, formula idéias gerais de ordem, caso contrário, segundo Geertz, ela seria apenas um conjunto de normas morais. Nesse sentido, a religião, tem sempre a necessidade de explicar a ordem geral das coisas, independente de como esta explicação se desenvolva.
Geertz aponta a dependência do homem aos símbolos e sistemas simbólicos. Eles parecem ser decisivos para que o próprio ser humano seja viável enquanto criatura, havendo quase nenhuma transigência a sugestão que a capacidade de criar, apreender e utilizar símbolos pode falhar. Se isto acontecesse, nos diz o autor, seria o caos – um túmulo de acontecimentos ao qual faltam interpretações e interpretabilidade. Três são os pontos no qual o caos ameaça o homem: 1. nos limites de sua capacidade analítica – a maioria dos homens não conseguem deixar sem esclarecimento problemas de analise não esclarecido, uma inquietação profunda ocorre quando há o fracasso do aparato explanatório; 2. nos limites de seu poder de suportar – a religião oferece a capacidade de compreender o mundo e definir as emoções, permitindo suportá-las, não saber como interpretar as emoções causa um sofrimento ainda mais profundo; 3. nos limites de sua introspecção moral – quando algo dificulta a possibilidade de fazer julgamentos morais ditos corretos, de utilizar o sistema simbólico que nos oferece o aparato ético e moral. Em resumo, a difícil compreensão de certos acontecimentos leva a dúvida, que se torna bastante inconfortável, quanto à existência de uma ordem de mundo verdadeira. Contudo a religião elabora, em contraponto a toda esta dúvida, uma ordem genuína do mundo que dará conta das eventuais ambiguidades. Nesse sentido, a religião pode ser entendida como uma forma de conhecimento do mundo.
O problema do significado (o fato de existirem a perplexidade, a dor e o paradoxo moral) é uma dos principais impulsionadores da crença religiosa. O axioma básico da perspectiva religiosa é que “aquele que tiver de saber precisa primeiro acreditar” (GEERTZ, 2008, p.81). Uma perspectiva religiosa é um modo de ver, um entre outros modos. Esta perspectiva difere da do senso-comum, da ciência e da estética. Ela repousa em uma aura “verdadeiramente real”, a qual suas atividades simbólicas se devotam a produzir.
Os rituais mais elaborados e mais públicos são os que costumam definir a consciência espiritual de um povo. O ritual é o mecanismo que faz com que todo esse sistema simbólico religioso, adquira autoridade sobre os indivíduos, pois é nesse momento que se efetiva a fusão entre a visão do mundo e o ethos e a intransponibilidade entre o modelo “de” e o modelo “para”. Eles reúnem tanto uma gama de disposições e motivações como concepções metafísicas. Geertz propõe o termo, utilizado por Singer, “realizações culturais” para nomear essas cerimônias.
Ninguém vive a todo tempo no mundo formado pelos símbolos religiosos, mas no mundo cotidiano dos objetos do senso-comum. Geertz aponta que as pessoas podem viver sem percepção artística, científica ou religiosa, mas não sem um entendimento do senso-comum. Assim, o impacto mais importante dos rituais está fora dos limites da duração do seu acontecimento, está na influência que exerce na concepção individual de mundo usada cotidianamente. Para o autor o movimento entre a religião e o senso-comum é bastante recorrente empiricamente e precisa ser melhor observado pelos pesquisadores.
Geertz aponta uma dificuldade encontrada entre os antropólogos da religião, a de conseguir uma síntese do que observa em campo sem recai nas opiniões extremas encontradas entre indivíduos do grupo estudado.
Um dos maiores problemas metodológico ao escrever cientificamente sobre religião é deixar de lado, ao mesmo tempo, o tom do ateu da aldeia e o do pregador da mesma aldeia, bem como seus equivalentes mais sofisticados, de forma que as implicações social e psicológica de crenças religiosas particulares possam emergir a uma luz clara e neutra. (GEERTZ, 2008, p.89)
Para um antropólogo a importância da Religião esta na sua capacidade de servir como “modelo de” e “modelo para”. Os conceitos religiosos servem aos fieis um arcabouço de idéias gerais, não apenas a questões metafísicas, mas a grande parte da existência humana. Assim, a partir do entendimento do papel da religião no social e no psicológico é possível alcançar a compreensão de como o “verdadeiramente real” e as disposições se colocam na vida cotidiana dos fieis.
Pata Geertz, o estudo antropológico da religião deve ser realizado em dois estágios: 1. análise do sistema de significados incorporado nos símbolos que formam a religião propriamente dita; 2. análise do relacionamento desses sistemas aos processos sócio-estruturais e psicológicos. O autor critica que os estudos dos antropólogos contemporâneos negligenciam este segundo estagio e dão mais ênfase ao primeiro.
Geertz propõe neste texto uma série de questões sobre o fazer da antropologia da religião contemporânea. Estes pontos podem nos levar a um interessante debate sobre nossas experiências teóricas e empíricas. Tomando os questionamentos suscitados por ele podemos refletir até onde estamos presos aos clássicos, e não existe uma produção que amplie a percepção teórica a partir deles, como o próprio Geertz propõe? Estamos mesmo fugindo das questões mais obscuras, e mais interessantes, que suscitam os estudos sobre a religião, as relegando a outras disciplinas? Os antropólogos contemporâneos têm de fato deixado de analisar os significados dos símbolos que formam a religião?
Referência
GEERTZ, Clifford. A Religião como Sistema Cultural. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 2008.
Fonte: http://antropologiadareligiaoufpe.wordpress.com/2012/04/07/162/
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