terça-feira, 26 de agosto de 2014

Pós-humano

Bom dia gente,
no post passado eu havia dito que tentaria relacionar a decadência social vista naquele trecho do livro do Hesse com o texto "Pós-humano por que?", mas, devo admitir, achei que o texto falava de uma coisa, e não tinha nenhuma relação com o que eu pensava.
Pensei em algo pós-moderno, algo relacionado com os conceitos do Baumann, da liquidez e instabilidade em todas as esferas da vida cotidiana...
O texto não trata disso, então vou falar um pouco sobre o que ele trata e principalmente o que ele me levou a pensar, e não foram poucas coisas.

O texto começa com um contexto do momento atual: os avanços tecnológicos e científicos que ocorreram nas duas últimas décadas duplicaram o conhecimento que a humanidade tinha até então.

Ao mesmo tempo, mais máquinas, e mais inteligentes, apesar de ser uma inteligência robótica, programada, fazem parte do nosso cotidiano.
Não um androide estranho e assustador, mas computadores, processadores, microchips, cada vez menores e mais eficazes, e específicos.
A nanotecnologia é um exemplo, talvez o melhor, de manipulações tecnológicas em escalas absurdamente pequenas podem "se confundir" com um organismo vivo, seja ele humano ou não, através dos avanços na biologia molecular.

Na década de 80 surge o termo "cyberpunk":
"O movimento ciberpunk abraça as tecnologias, mas de maneira rebelde, a margem da lei, contra o Estado centralizador e as grandes estruturas econômico-financeiras, sendo favorável, portanto, 'a um uso subcultural mais descentralizado da ciência e da tecnologia a serviço dos indivíduos'." (Pg 129, Revista USP, São Paulo, n.74)

O pós-humano seria como o ciborgue, algo híbrido, entre homem e máquina.

No texto dizem:
"Reivindicar a existência de corpos pós-humanos significa deslocar, tirar do lugar, as velhas identidades e orientações hierárquicas, patriarcais, centradas em valores masculinos (...) com seu questionamento das dicotomias ocidentais entre mente/corpo, organismo/máquina, natureza/cultura, antinomias estas que também davam suporte ao patriarcado, a ideia do ciborgue penetrou intensamente na cultura, colocando em questão não apenas a relação do humano com a tecnologia, mas a própria ontologia do sujeito humano"

Entretanto a autora do texto preferem chamar de "biocibernético" porque não carrega referências a ficção científica estadunidense e mostra melhor a relação entre o biológico (organismo, corpo) e o cibernético (novas tecnologias).

E um trecho me incomodou muuuuuuuuuuuito:

"Assim, valendo-se da nova alquimia tecncientífica, o 'homem pós-biológico' teria condições de superar as limitações importas pela sua organicidade, tanto em nível espacial quanto temporal"(Lucia Santaella apud Sibilia, 2002)

Isso parece mais um jeito de ignorar as limitações humanas, que estamos sujeitos a ciclos naturais, assim como as tecnologias que podemos desenvolver ou desenvolvemos, por mais sofisticada que seja a manipulação e forma de controle.
Parece que o desenvolvimento cada vez mais complexo das ciências e teclogia tem fortalecido a ideia de uma independência do homem da natureza em geral, e nós somos também natureza! Parece que fortalece essa dissociação, e assim perpetua a dualidade, e não a ameniza. Mas não a dualidade mente x corpo, mas limitações naturais x possibilidades tecnológicas, ignorando limitações, e isso se reflete em outros campos, como nas discussões de desenvolvimento sustentável, em que os pensadores ortodoxos colocam a solução de tudo no próprio desenvolvimento econômico e nas novas tecnologias.
É como se a sociedade a qual pertencemos (ocidental e capitalista) tivesse trocado o deus cristão pelo desenvolvimento científico-tecnológico: dedique-se a sua glória e será salvo.
Se esquecem, porém, que a tecnologia não se desenvolve para servir ao bem da humanidade, que as inovações surgem nas guerras, e são adaptadas para produtos que serão consumidos e produzidos de forma não sustentável.
A ideia de que esse desenvolvimento pode alterar o paradigma da nossa sociedade e quebrar ciclos de opressão parece bem bonita e sedutora, mas não convincente. 
Como algo que nasce para propósitos de opressão e de sustentar a ordem vigente, é desenvolvido e se propaga através desta ordem, pode carregar em si sementes de mudança? Não consigo acreditar nesse tipo de revolução, seria no máximo uma reforma, e reformas não alteram muita coisa.
No fim do texto a autora também expõe a opinião dela sobre essa visão:
"o pós-humano significaria a superação das fragilidades e vulnerabilidades de nossa condição humana, sobretudo do nosso destino para o envelhecimento e a morte. Tal superação seria atingida pela substituição de nossa natureza biológica por uma outra natureza artificialmente produzida que não sofreria as limitações e constrangimentos de nosso ser orgânico, hoje obsoleto. A meu ver, além de simplista, reducionista, essa compreensão é ilusionista."


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

...









Troca-troca

No início deste mês peguei um vestido preto no Clube de Trocas e deixei lá um livro, "A desobediência civil", de Thoreau.
Fiquei bem contente quando um amigo veio me dizer que o havia pego, e que estava muito feliz com a aquisição feita, e agradeceu por eu ter disponibilizado o livro lá. 
Isso foi bem mais legal do que conseguir um vestido bonitinho.

Gostaria que a ideia de trocas de livro anônima desse certo... Havia uma proposta assim, há um tempo atrás, me lembro um pouco... Devíamos imprimir uma etiqueta, e colocar num livro, e deixá-lo circulando por ai. 
E a pessoa que o encontrasse e quisesse ler, depois disso deveria "devolvê-lo" para a rua. 
O legal é que a pessoa poderia entrar em contato e contar sua experiência através da leitura. 
O mais próximo disso que tive foi o Skoob, site através do qual podemos trocar livros. 
Lembro que troquei com uma moça o "Mentes inquietas", sobre TDAH, por um de contos do Edgar Alan Poe, que é divertido. 

Semana passada fui até um sebo láaaaa na Parada Inglesa atrás de um livro que há tempos queria ler, "O jogo das contas de vidro", do Hermann Hesse, e na página de rosto esta escrito "Pertence a Thereza Daminello, Rua Bela Cintra, 468 ap 54 Fone 256-6557"
Fiquei com vontade de ligar, entrar em contato de alguma forma, mas ainda não tive coragem, não sei se vou parecer maluca, se vou encontrar a pessoa, se não encontrar será frustrante, e se encontrar e ela quiser o livro de volta e eu ainda nem terminei de ler? E se ela agradecer? E se for algo importante para ela? Não sei. 

Bom, já que este post esta meio aleatório aqui no meio deste blog, vou trocar de foco, como numa conversa de mesa de bar, puxando do livro do Hesse um trecho, e vou ver se dá para relacioná-lo com o "Pós humano por que?" e se eu tiver coragem de procurar a moça, conto aqui depois

Lá vaio trecho:

"É que se acabara de descobrir (descoberta já pressentida desde Nietzsche, aqui e acolá), que a juventude e o período criador da nossa cultura pertenciam ao passado, que a decrepitude e o ocaso haviam surgido, e em razão dessa descoberta pressentida por todos, e por muitos formulada sem rebuços, se esclareciam muitos sinais inquietantes dos tempos: a mecanização insulsa da vida, a profunda queda da moral, a falta da crença dos povos, a falta de veracidade da arte. Como, naquela maravilhosa lenda chinesa, a 'música da decadência' havia ressoado, e como o baixo ameaçador de um órgão, vibrava já há dezenas de anos, derramava-se qual corrupção nas escolas, nos jornais, nas academias, derramava-se como neurastenia e doenças mentais na maioria dos artistas e críticos sérios, debatia-se qual selvagem e diletântica super-produção em todas as artes. Havia várias maneiras de se contrapor a esse inimigo que se infiltrava e que não era mais possível libertar de seu feitiço. Podia-se procurar afastá-la como uma ilusão, e para esse fim os anunciadores literários da teoria da decadêmcia da cultura ofereciam muitas armas cômodas; além disso, quem entrava em luta com aqueles ameaçadores proferas, era ouvido pelo cidadão e adquiria influência sobre ele, porque o cato de a cultura, que ontem ainda se acreditava possuir e de que tanto se orgulhava, estava desprovda de vida, o fato de a instrução tão apreciada pelo cidadão ter deixado de ser uma genuína instrução, como a arte apreciada por ele deixara de ser genuína, parecia-lhe tão insuportável e chocante como a repentina inflação monetária e a ameaça de perder a fortuna com as revoluções. Além do mais, para combater o pressentimento a decadência havia ainda o comportamento cínico: ia-se dançar, e explicava-se qualquer preocupação pelo futuro como uma tolice arcaica, cantavam-se inspirados folhetins sobre o próximo fim da arte, da ciência e da linguagem, cnstatavam-se com uma volúpia semelhante a do suicida, a completa desmoralização do espírito, a inflação das ideias no mundo do folhetim, nesse mesmo mundo que se havia construído de papel. Era como se víssemos com cínica apatica, ou com excitação de bacanal, que não só a arte, o espírito, os costumes e a probidade desapareciam no abismo, mas que o mesmo acontecia com a Europa e o "mundo". Entre os bons reinava um pessimismo taciturno, e entre os maus um pessimismo pérfido." (Hermann Hesse, O jogo das contas de vidro)

Mal estar na civilização

No meu post anterior havia falado sobre "o mal estar na civilização" porque, ao imaginar como diferentes valores estão relacionados a diferentes sociedades, comecei a me questionar sobre algumas coisas, entre elas como o indivíduo se relaciona socialmente, e o papel da religião nisso.

Segundo Freud, a civilização é constituída por instituições (sejam concretas e/ou mentais) que teriam como objetivo organizar a convivência em sociedade e regular suas relações.

Mas qual a diferença entre sociedade e civilização?
"Sociedade refere-se a qualquer grupo ou associação de pessoas que interagem entre si, quer se fale de uma família nuclear (pai-mãe-filho), ou de um complexo internacional que se estende da Europa à Ásia ou Américas. Por outras palavras, podemos entender que a sociedade diz respeito à atividade humana em termos de participação e associação pluri-individual. Deste modo, a cultura influência a sociedade na forma como os indivíduos interagem entre si, mas a sociedade influência a cultura através das atividades desses mesmos indivíduos, atividades essas que formam a cultura" 
(Fonte: http://criarmundos.do.sapo.pt/Antropologia/pesquisacultura006.html)
Há diferentes visões sobre como a sociedade haveria surgido, dentre elas os Contratualistas, como Hobbes, Locke e Rousseau. 
Sobre civilização: 
"Civilização é o estágio de desenvolvimento cultural em que se encontra um determinado povo. Este desenvolvimento cultural é representando pelas técnicas dominadas, relações sociais, crenças, fatores econômicos e criação artística.
O desenvolvimento de uma civilização ocorre lentamente, logo é um processo. Vários fatores podem influenciar no desenvolvimento de uma civilização como, por exemplo, recursos naturais de uma região, clima, proximidade com outra civilização, liderança exercida por um determinado período, etc. Uma civilização pode ser movida pela vontade, de seu povo ou liderança, de acumular riquezas, obter conhecimentos úteis, dominar militarmente outras regiões ou até mesmo buscar a qualidade de vida para as pessoas.
Durante a história, tivemos o desenvolvimento de diversas civilizações com características diferentes. 
A civilização egípcia, por exemplo, caracterizou-se pela concentração de poder e riquezas materiais nas mãos do faraó. Desenvolveram vários conhecimentos com objetivo religioso (preservar o corpo e as riquezas para uma vida após a morte).
A civilização grega se desenvolveu com intuito de aprimorar as capacidades intelectuais, físicas e políticas. Neste contexto, desenvolveram a democracia, as artes, o teatro e muito mais.
A civilização romana dedicou-se ao domínio militar de amplas regiões, como forma de obter poder econômico. Para dominar e organizar as províncias, desenvolver um complexo sistema de leis. Também criaram técnicas de batalha e armamentos sofisticados para a época."(Fonte: http://www.suapesquisa.com/o_que_e/civilizacao.htm)

Ou seja, não há diferenças entre "sociedade" e "civilização". 

Para ele, a organização social é útil, mas para conviver em sociedade é necessário que nós abdiquemos de alguns impulsos básicos, desejos, que devemos reprimir ou sublimar.

Bom, parece que este processo ocorre em qualquer sociedade (já que toda organização social pressupõe regras, costumes, tradições, estruturas mentais, linguísticas), mas a forma como ocorre difere de uma sociedade para a outra, a forma como vamos lidar com estes impulsos e como eles vão se delinear depois, conforme nos adequamos a este meio, de acordo com fatores históricos, culturais, mas também psíquicos e biológicos. 

Nos organizamos de formas diferentes não através de escolhas conscientes, racionais, mas aprendendo padrões. E da mesma forma que aprendemos padrões, aprendemos crenças, que também constituem a cultura. Quando digo crenças não me refiro apenas as religiosas.

Fonte: http://www.palavraescuta.com.br/textos/o-mal-estar-na-civilizacao-1930-resenha



terça-feira, 5 de agosto de 2014

Identidade, auto-percepção e cultura I

Estava estudando Pensamento Econômico, o que aparentemente não tem muita relação com Identidade e Cultura, através das ementas, mas na nossa cabeça as informações se misturam e fazem uma bagunça divertida.



Ao ler um capítulo que fala sobre os Utilitaristas, e as características que eles atribuem como naturais e inerentes a nós, humanos, refleti sobre algumas coisas que vivenciei.
Quais são essas características?
São: a busca pelo prazer máximo e o caráter egoísta e individualista.

Bom, é sabido que a gente não precisa entender a cultura, e muito menos de onde vem uma crença, para acreditar nela.
Nos tempos de colégio eu ajudei uma colega de classe a estudar química porque eu gostava de química, porque tinha facilidade e porque sozinha eu não conseguia estudar.
Foram estes os motivos que encontrei na minha cabeça.
Mas também foi porque eu gosto de passar para os outros aquilo que sei e que me agrada, e gosto quando prestam atenção na informação, gosto de explicar e fazer as pessoas entenderem.
Isso foi o que eu ignorei.
Ignorei também que a cooperação não é uma ajuda, uma caridade, não é algo unilateral, é algo que implica em benefícios para todos os envolvidos, e que isso além de ser possível, não é egoísta, nem altruísta. Não é necessário pensar as coisas em dualidades, em pedaços, fragmentos. Não é necessário pensar relações em opostos, mas eu já estou perdendo o foco do texto...

Bom, cheguei a conclusão, naquela época, de que eu assim como os outros seres humanos, sou egoísta até mesmo quando pareço estar sendo altruísta, e encontrei uma série de situações para justificar isso, sem me preocupar em procurar alguma para negar, e certamente eu teria encontrado.
Os erros de raciocínio foram muitos, mas, ao ler sobre Adam Smith e os utilitaristas, percebi como certos componentes culturais influenciaram minha avaliação, mesmo que eu não soubesse de onde eles vinham, e que com base nos mesmos erros de raciocínio eu poderia ter chegado a diferentes conclusões de a cultura na qual cresci fosse outra.

Quando cheguei em Stuart Mill, também um utilitarista, mas este considerado "eclético" pelos autores do livro (Hunt e Lautzenheiser) identifiquei o pensamento que estava se desenhando na minha cabeça dias antes: justamente a influência cultural sobre esse caráter egoísta de avaliação, o auto-interesse, etc.
Mill diz, de forma bem correta na minha avaliação, que se o sistema socio-econômico fosse outro provavelmente não seria o caráter egoísta o dominante. E é verdade, a antropologia tem exemplos de comunidades tribais baseadas em outros paradigmas.

Mas ai me lembro de Freud e do Mal Estar da Civilização...
Sobre isto será meu próximo post.


terça-feira, 29 de julho de 2014

A religião como sistema cultural

Geertz afirma que sua análise da religião se restringirá a dimensão cultural desta. Ele afirma entender a existência múltipla do termo cultura, mas que o utiliza no sentido de “um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida”.
A partir desses pressupostos Geertz, nos apresenta um paradigma sobre a religião. Estabelecendo dois conceitos fundamentais para a teoria de Geertz – Ethos e visão de mundo -, este paradigma diz que os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo e sua visão de mundo mais ampla sobre a ordenação das coisas. Os símbolos religiosos estabelecem uma harmonia fundamental entre um estilo de vida particular (ethos) e uma metafísica especifica (visão de mundo). A religião ajusta as ações humanas a uma ordem cósmica e projeta imagens desta ordem cósmica no plano da experiência humana, o que ocorre no cotidiano de cada povo.
Geertz reduz este paradigma a uma definição, e, a partir daí, passa a dissecá-la. Segundo tal definição uma religião consiste em:
um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GERRTZ, 2008, p. 67).
O sentido de símbolo aqui utilizado é o de “objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação que serve como veículo a uma concepção – a concepção é o “significado do símbolo” (GEERTZ, 2008. p. 67). O estudo de uma atividade na qual o simbolismo forma o conteúdo positivo, uma atividade cultural, é a realização de uma análise social. Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros. Contudo, nos mostra Geertz, por mais que o social, o cultural e o psicológico estejam imbricados na vida cotidiana, é útil separá-los a nível de análise.
Os sistemas ou complexos de símbolos são chamados de padrões culturais e representam fontes extrínsecas de informação. Eles fornecem programas para os processos social e psicológico que modelam o comportamento público. As fontes extrínsecas, ou seja, os padrões culturais, tornam-se vitais, pois o comportamento humano é instavelmente estabelecido pelas fontes de informação intrínsecas (genes e fisiologia). Também é possível afirmar que os padrões culturais são modelos. Contudo, no caso dos padrões culturais o termo modelo assume duas dimensões: modelo “da” realidade e modelo “para” a realidade. Os modelos “para” funcionam para estabelecer informações para padrões de comportamento. Já os modelos “de” são a representação de modo simbólico destes padrões de comportamento, algo que, segundo o autor, provavelmente só acontece entre os humanos. Os modelos “de” são concepções gerais e os modelos “para” são disposições mentais. É esse duplo aspecto que separa os símbolos de outras espécies de formas significativas. O esquema abaixo representa os principais conceitos do autor discutidos até agora.
A intetransponibilidade dos “modelos de” e dos “modelos para” é bastante visível quanto aos símbolos religiosos. Os símbolos concretos envolvidos apontam para ambas as direções, expressam o clima do mundo e o modelam. O modelam induzindo o crente a certo conjunto distinto de disposições, ou seja, a que exista uma probabilidade e uma determinada atividade seja exercida. Quanto a atividades religiosas duas são as espécies de disposição: ânimo e motivação. A motivação é uma inclinação crônica para executar certos tipos de atos e experimentar certas espécies de sentimentos em determinadas situações, ou seja, motivações são duradouras e significativas quanto a seu fim. Já os ânimos são significativos quanto a seu surgimento, são intensos enquanto duram, mas possuem menor duração que as motivações, surgem e desaparecem com facilidade.
Os mesmos símbolos definem as disposições que estabelecemos como religiosas e colocam estas disposições em um arcabouço cósmico. A religião, além de induzir motivações e disposições, formula idéias gerais de ordem, caso contrário, segundo Geertz, ela seria apenas um conjunto de normas morais. Nesse sentido, a religião, tem sempre a necessidade de explicar a ordem geral das coisas, independente de como esta explicação se desenvolva.
Geertz aponta a dependência do homem aos símbolos e sistemas simbólicos. Eles parecem ser decisivos para que o próprio ser humano seja viável enquanto criatura, havendo quase nenhuma transigência a sugestão que a capacidade de criar, apreender e utilizar símbolos pode falhar. Se isto acontecesse, nos diz o autor, seria o caos – um túmulo de acontecimentos ao qual faltam interpretações e interpretabilidade. Três são os pontos no qual o caos ameaça o homem: 1. nos limites de sua capacidade analítica – a maioria dos homens não conseguem deixar sem esclarecimento problemas de analise não esclarecido, uma inquietação profunda ocorre quando há o fracasso do aparato explanatório; 2. nos limites de seu poder de suportar – a religião oferece a capacidade de compreender o mundo e definir as emoções, permitindo suportá-las, não saber como interpretar as emoções causa um sofrimento ainda mais profundo; 3. nos limites de sua introspecção moral – quando algo dificulta a possibilidade de fazer julgamentos morais ditos corretos, de utilizar o sistema simbólico que nos oferece o aparato ético e moral. Em resumo, a difícil compreensão de certos acontecimentos leva a dúvida, que se torna bastante inconfortável, quanto à existência de uma ordem de mundo verdadeira. Contudo a religião elabora, em contraponto a toda esta dúvida, uma ordem genuína do mundo que dará conta das eventuais ambiguidades. Nesse sentido, a religião pode ser entendida como uma forma de conhecimento do mundo.
O problema do significado (o fato de existirem a perplexidade, a dor e o paradoxo moral) é uma dos principais impulsionadores da crença religiosa. O axioma básico da perspectiva religiosa é que “aquele que tiver de saber precisa primeiro acreditar” (GEERTZ, 2008, p.81). Uma perspectiva religiosa é um modo de ver, um entre outros modos. Esta perspectiva difere da do senso-comum, da ciência e da estética. Ela repousa em uma aura “verdadeiramente real”, a qual suas atividades simbólicas se devotam a produzir.
Os rituais mais elaborados e mais públicos são os que costumam definir a consciência espiritual de um povo. O ritual é o mecanismo que faz com que todo esse sistema simbólico religioso, adquira autoridade sobre os indivíduos, pois é nesse momento que se efetiva a fusão entre a visão do mundo e o ethos e a intransponibilidade entre o modelo “de” e o modelo “para”. Eles reúnem tanto uma gama de disposições e motivações como concepções metafísicas. Geertz propõe o termo, utilizado por Singer, “realizações culturais” para nomear essas cerimônias.
Ninguém vive a todo tempo no mundo formado pelos símbolos religiosos, mas no mundo cotidiano dos objetos do senso-comum. Geertz aponta que as pessoas podem viver sem percepção artística, científica ou religiosa, mas não sem um entendimento do senso-comum. Assim, o impacto mais importante dos rituais está fora dos limites da duração do seu acontecimento, está na influência que exerce na concepção individual de mundo usada cotidianamente. Para o autor o movimento entre a religião e o senso-comum é bastante recorrente empiricamente e precisa ser melhor observado pelos pesquisadores.
Geertz aponta uma dificuldade encontrada entre os antropólogos da religião, a de conseguir uma síntese do que observa em campo sem recai nas opiniões extremas encontradas entre indivíduos do grupo estudado.
Um dos maiores problemas metodológico ao escrever cientificamente sobre religião é deixar de lado, ao mesmo tempo, o tom do ateu da aldeia e o do pregador da mesma aldeia, bem como seus equivalentes mais sofisticados, de forma que as implicações social e psicológica de crenças religiosas particulares possam emergir a uma luz clara e neutra. (GEERTZ, 2008, p.89)
Para um antropólogo a importância da Religião esta na sua capacidade de servir como “modelo de” e “modelo para”. Os conceitos religiosos servem aos fieis um arcabouço de idéias gerais, não apenas a questões metafísicas, mas a grande parte da existência humana. Assim, a partir do entendimento do papel da religião no social e no psicológico é possível alcançar a compreensão de como o “verdadeiramente real” e as disposições se colocam na vida cotidiana dos fieis.
Pata Geertz, o estudo antropológico da religião deve ser realizado em dois estágios: 1. análise do sistema de significados incorporado nos símbolos que formam a religião propriamente dita; 2. análise do relacionamento desses sistemas aos processos sócio-estruturais e psicológicos. O autor critica que os estudos dos antropólogos contemporâneos negligenciam este segundo estagio e dão mais ênfase ao primeiro.
Geertz propõe neste texto uma série de questões sobre o fazer da antropologia da religião contemporânea. Estes pontos podem nos levar a um interessante debate sobre nossas experiências teóricas e empíricas. Tomando os questionamentos suscitados por ele podemos refletir até onde estamos presos aos clássicos, e não existe uma produção que amplie a percepção teórica a partir deles, como o próprio Geertz propõe? Estamos mesmo fugindo das questões mais obscuras, e mais interessantes, que suscitam os estudos sobre a religião, as relegando a outras disciplinas? Os antropólogos contemporâneos têm de fato deixado de analisar os significados dos símbolos que formam a religião?
Referência
GEERTZ, Clifford. A Religião como Sistema Cultural. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 2008.
Fonte: http://antropologiadareligiaoufpe.wordpress.com/2012/04/07/162/

terça-feira, 22 de julho de 2014

Religiões e sistema cultural

Há algum tempo tenho me questionado sobre a importância das religiões na vida de cada pessoa. Não se trata apenas de fé, ou simplesmente de instituições sociais com normas de conduta morais e de comportamento. Existe também a ideia das divindades.
Isso me soa estranho desde que me entendo como pessoa. Não conseguia conceber como abstrair uma personificação dando origem a tudo o que existe, e mais. Inclusive a si mesmo. Como poderia ser?

Com o passar do tempo notei que isso é bastante natural para muitas pessoas, mesmo que a diversidade de religiões e divindades seja bastante grande.

O que faz com que pessoas criem divindades? Por que elas diferem tanto entre si? Como as crenças, costumes, tradições e hábitos de um determinado grupo molda a cultura em que estão inseridos? Como os grupos de poder se utilizam da religião para manutenção da ordem vigente? O oposto é possível?

São muitas questões.

É esperado buscar explicações para eventos naturais quando sua sobrevivência depende deles; nós buscamos agir sobre o mundo e ter algum controle sobre ele: foi assim que me ensinaram ter surgido as divindades, mas não sei se concordo com isso.
Geertz diz que a sociedade, a cultura, e o próprio ser-humano, surgem concomitantemente, sendo parcelas de um mesmo processo, já que o que nos define como seres humanos é também a própria cultura e organização social. Essas divindades então refletiriam o que cada sociedade valoriza e considera importante, e o contrário também, e como e por quê.

O vikings, por exemplo, eram guerreiros. Apenas os guerreiros mortos em batalha teriam acesso, depois da morte, a Valhala, o que era uma honra incrível.
Para os católicos apostólicos romanos, quem leva uma vida comedida, sem excessos e através da busca da expiação dos pecados, sejam quais forem as formas de conseguir isso, teria acesso ao "reino dos céus", partindo do pressuposto de que todos são pecadores. Principalmente as mulheres.

Seria a religião exclusivamente uma forma de expressão do poder e manutenção de determinada ordem?

Cada religião expressa os mesmos anseios que qualquer outra, através de suas crenças e rituais?

Como a religião faz-se a identidade de um grupo?
Como as crenças compõe a identidade de alguém? Por que algumas pessoas sentem tanta necessidade de se identificar com uma religião, e se sentem tão confortáveis com suas crenças e outras são absolutamente avessas a isso?

Para ilustrar e divertir, mais divertir do que ilustrar, deixo um vídeo abaixo: A Saga de Biorn



https://www.youtube.com/watch?v=KN9RHqF-KDQ

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Apresentação

Este blog é dedicado a disciplina "Identidade e Cultura" ministrada pela professora Andrea.

Sou aluna do Bacharelado em Ciências e Humanidades (BCH) na UFABC, universidade que ingressei em 2013.

Quando nos foi exposto que o blog deveria ser dedicado a um tema relativo a identidade e cultura não me veio nada em mente, e depois me surgiram temas mas nenhum havia me interessado muito ainda, e baseada num deles iniciei o blog anterior.

Mas durante uma aula foi citado Marcuse, "o homem unidimensional", e eu fui pesquisar sobre isso.

Não havia este livro na biblioteca, mas havia outros, e resolvi selecionar um deles: progresso social e liberdade.

Separei também um livro do Geerts, "A interpretação das culturas", e o texto que mais me interessa é "a religião como sistema cultural", mas ainda não comecei a lê-lo.

Não sei se é possível travar paralelos entre os dois textos, e algum outro que eu conheça. 
Mas sei que a ideia de progresso esta bastante relacionada com a cultura ocidental, assim como o cristianismo. 

Não tenho a pretensão de definir agora qual será meu tema, sei apenas que vou usar como base estes dois textos e meus próximos posts serão sobre eles.